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Decisao Crime Ambiental Camelia

Comarca de Tapes - 2ª Vara Judicial

Processo nº:  137/2.13.0000317-8 (CNJ:.0000731-60.2013.8.21.0137)    
Natureza: Crimes Ambientais - Lei 9605/98    
Autor: Justiça Pública    
Réu: Sylvio Tejada Xavier    
Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. Daniel de Souza Fleury    
Data: 13/03/2018  


Vistos.

I – RELATÓRIO


O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra SYLVIO TEJADA XAVIER, brasileiro, Prefeito Municipal, gestão 2005/2008 e 2009/2012, com endereço na Avenida Assis Brasil, nº 2297, Tapes/RS, em razão da suposta prática do seguinte fato:
“Desde o ano de 2005 até os dias atuais, no Município de Tapes, ao longo de pelo menos dois mandatos consecutivos, o denunciado SYLVIO TEJADA XAVIER, prevalecendo-se do cargo de Prefeito Municipal, causou poluição em níveis tais que possam resultar em danos à saúde humana e destruição significativa de flora, o que foi realizado por meio do lançamento reiterado de resíduos sólidos, líquidos e detritos, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, consistentes na deposição de resíduos domésticos diretamente a céu aberto, conforme aponta o relatório de vistoria elaborado pela Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público (fls. 905-917 do Procedimento Investigatório anexo).

A conduta do denunciado, reeleito, consistem em descumprir o Termo de Ajustamento de Conduta (fls. 100-105 do anexo) firmado em 04 de outubro de 2005, que previa que até 17 de junho de 2006 a municipalidade finalizaria as atividades de aporte de resíduos sólidos – lixo – na localidade conhecida como “Aterro das Camélias”, na região dos Butiás, em Tapes.

Em data posterior ao vencimento do prazo para finalização das atividades degradantes do meio ambiente pela Prefeitura (19/06/2006, fls. 133-134 do anexo), a mesma enviou um ofício ao ente ministerial solicitando prorrogação do prazo para cumprimento do TAC. Na ocasião a prefeitura enviou apenas o projeto de implemento do aterro sanitário, sem identificar nenhuma atividade em concreto que tenha realizado, ou seja, mesmo diante de toda precariedade do “Aterro das Camélias” e do termo firmado com o Ministério Público nada foi feito para resolver o problema.

Em razão de o Termo de Ajustamento de Conduta prever que seu aditamento somente poderia ocorrer a critério do Ministério Público e da FEPAM se o Município comprovasse a adoção de ações tendentes a viabilizar solução definitiva à questão (fl. 102 do apenso), a Promotoria de Tapes não concordou com a prorrogação do prazo (fls. 192-193 do apenso).

Assim, em 29 de setembro de 2006 o Município informou que o projeto para elaboração de um aterro sanitário estaria em fase de conclusão (fl. 208 do anexo). Em 31 de outubro de 2006, o Senhor Prefeito Municipal compareceu ao órgão ministerial, acompanhado por seus técnicos ambientais (fls. 240-241 do anexo) sustentando a viabilidade da permanência do “Aterro das Camélias”, aduzindo sua possibilidade técnica e a impossibilidade de o município suportar os custos da terceirização do serviço de transporte e disposição dos resíduos.

Após diversos contatos com a Prefeitura Municipal, o Ministério Público oficiou à FEPAM para elaboração de informação sobre a viabilidade técnica de permanência do aterro. Em resposta, a FEPAM anexou a informação técnica – DISA na fl. 268, a qual contém nova manifestação pelo encerramento da atividade de depósito de resíduos na região das Camélias, in verbis:

“O uso da área em questão, já de muitos anos, nunca foi avaliado sob o aspecto da viabilidade ambiental para aterro sanitário, pois que se tratava de 'lixão' (depósito irregular), o qual veio sofrendo intervenções no sentido na minimização do impacto ambiental, sem que o município, durante seguidas administrações tenha dado solução adequada à questão. A sustentação da Administração Municipal pela viabilidade técnica da continuidade do uso considera, ao nosso ver, tão somente o aspecto econômico-financeiro, conforme demonstrado, e de realidade que não se desconhece, mas que não pode ser confundido com viabilidade ambiental do empreendimento. (...)” 

Depois de nova reunião com o Prefeito Municipal, em abril de 2007, a Promotoria de Justiça de Tapes após historiar o longo trâmite do expediente, destacando as inúmeras oportunidades concedidas pelo Parquet para que o mesmo cumprisse o Termo de Ajustamento de Conduta, interditou o Aterro Controlado dos Butiás (fls. 328-332 do apenso).

Em 04 de junho de 2007 o Município oficiou ao Ministério Público para informar que não cumpriria a interdição e que continuaria com as atividades no lixão (fls. 334/338). Assim, em nova vistoria ministerial, realizada em 05 de junho de 2007, foi constatado que o aterro continua em plena atividade, sem sistemas de impermeabilização, de detecção de vazamentos, de drenagem de gases, poços de monitoramentos e ainda conta com pessoas no local realizando a coleta de materiais recicláveis (fls. 348-358).

Após esta data, foram realizadas novas vistorias, concedidos novos prazos para que o ente municipal procedesse atividades de recuperação no aterro, inclusive com a interposição da Ação Popular nº 137/1.04.0000569-0 com o objetivo de interditar o referido Aterro. A título de nova ilustração trazemos as vistorias realizadas em 30 de janeiro de 2008, 15 de junho de 2010 e 04 de abril de 2011 – esta última quase seis anos após o TAC –, as quais opinaram pela suspensão imediata das atividades no lixão (fls. 484-494, 735-746 e 905-911 do apenso).

A última vistoria, realizada em 05 de abril do presente ano, após responder detalhadamente todos os quesitos formulados por esta Procuradoria (fls. 903-904), no item 13 cita:

“em nossa percepção, a situação atual do local é pior do que aquela constatada em 2008, quando técnicos da DAT/MP-RS vistoriaram esta área. Praticamente nada foi feito para mudar o cenário em questão. Percepção similar foi compartilhada pela secretária de diligências que acompanhou a equipe técnica nesta vistoria.

3.Conclusões

A partir do que foi exposto acima, entende-se que a área utilizada pelo investigado para a disposição final de resíduos sólidos urbanos do Município de Tapes não apresenta condições técnicas capazes de minimizar os impactos ao meio ambiente. (...)”

Destaca-se que, a despeito de todo o empenho ministerial para a implementação das medidas necessárias para evitar e reparar os danos ao meio ambiente, pela reiteração de depósitos de resíduos sólidos urbanos no mesmo local e não adoção das medidas necessárias para evitar o dano, vem agravando a situação que já existia.

Não há dúvida que a disposição dos resíduos fora dos padrões e exigências técnicas favorece a proliferação de macrovetores (cães, gatos e ratos) e microvetores (moscas, mosquitos, baratas, fungos e bactérias), causadores e transmissores de doenças e outras enfermidades lesivas e até letais aos seres humanos, especialmente aos catadores que por várias vezes foram vistos no local.

Em 30 de março de 2011, a Ação Popular nº 137/1.04.0000569-0 foi julgada parcialmente procedente para interditar o lixão e determinar a apresentação de projeto para a recuperação da área degradada no prazo improrrogável de 120 dias.

Além disso, os itens 5 e 8 (fls. 908-909) da já mencionada vistoria de 05 de abril p.p., atestam que o líquido percolado gerado atinge o açude utilizado pela comunidade local para o consumo de água e também que é possível a ocorrência de infiltração no solo de líquidos percolados na massa de resíduos e, consequentemente, a contaminação de águas subterrâneas.

Reitera-se, por fim, a situação de extrema gravidade narrada nesta exordial, já vem ocorrendo desde, pelo menos, o ano de 2005, no primeiro mandato do Prefeito Sylvio Tejada Xavier, até a atualidade, sem que, nenhuma medida sanatória tenha sido efetivada.

Assim agindo, o denunciado, SYLVIO TEJADA XAVIER, Prefeito Municipal de Tapes,  incorreu nas sanções do artigo 54, caput, §2º, inciso V, da Lei nº 9.605/98 (...)” 

Notificado (fls. 933/934), sobreveio resposta escrita (fls. 949/967).
O MP manifestou-se às fls. 1588/1595.

A denúncia foi recebida em 21 de setembro de 2012 (fl. 1611).

Em face do esgotamento do exercício do mandato de prefeito do réu, os autos foram remetidos de Superior Instância a este Juízo (fl. 1621).

O réu foi citado (fls.1633/1634) e apresentou defesa às fls. 1635/1659).

Na instrução foram ouvidas seis testemunhas  (fls. 1712/1720, 1738/1740 e 1769/1771). 

Em face da ausência do réu na audiência de interrogatório judicial, apesar de intimado, foi decretada sua revelia (fl. 1809).

Em sede de memoriais o MP requereu a condenação do réu nos termos da inicial acusatória (fls. 1817/1822) e o réu requereu sua absolvição, com base no art. 386, incisos I, III e VII do CPP (fls. 1824/1835).

Vieram os autos conclusos para sentença.

Relatei.

Decido.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual em face de SYLVIO TEJADA XAVIER, imputando-lhe a prática do delito tipificado no art. 54, caput, §2º, inciso V, da Lei nº 9.605/98, em face de ter, reiteradamente, no decorrer de dois mandatos de prefeito do Município de Tapes/RS, depositado resíduos domésticos diretamente a céu aberto, na localidade conhecida como “Aterro das Camélias” na região de Butiás, causando poluição em níveis que poderiam causar danos à saúde humana e a destruição significativa da flora – conforme descrição detalhada da conduta na denúncia (fls. 02/08), contrariando , ainda, o licenciamento ambiental expedido pela autoridade competente.

Em inquérito civil instaurado pela Procuradoria de Prefeitos do Ministério Público Estadual, foram coligidos elementos de informação sobre a conduta supostamente praticada pelo réu, bem como fora firmado termo de ajustamento de conduta e realizada a fiscalização do cumprimento que, posteriormente, culminou na propositura da presente demanda.

Como se depreende do documento das fls. 102/107, o Município de Tapes – através do réu – firmou termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público, no qual ficou estipulado (cláusula primeira) o compromisso de suspensão total das atividades de depósito de resíduos sólidos no aterro das camélias, a contar de 17/06/2006 – data do término do prazo da licença de operação do local – com interdição absoluta. 

Outrossim, no parágrafo único da cláusula primeira, ficou possibilitada a prorrogação do prazo, a critério do Ministério Público e da FEPAM, desde que o Município comprovasse a efetiva adoção de ações tendentes a solucionar definitivamente a situação. Além disso, o Município comprometeu-se a realizar a recuperação da área (cláusula terceira) e promover o isolamento do local e limpeza do entorno (cláusula quarta).

No entanto, em laudo emitido em 22/05/2006 (um mês antes do vencimento da licença de operação do aterro), em vistoria realizada no local, a FEPAM reiterou o parecer pela desativação do aterro das camélias, em face da constatação de diversas irregularidades e desconformidades com os padrões indicados, entre eles, a presença de catadores no local, ausência de máquinas de aterro – o que não permite a cobertura adequada dos resíduos – grande quantidade de moscas, muita quantidade de resíduos aparentes denotando cobertura deficiente e piezômetro danificado – denotando influência do depósito de resíduos nas águas freáticas (fls. 128/134).

Posteriormente, em 12/09/2006 – expirado o prazo para desativação do aterro, conforme acordo firmado no TAC das fls. 102/107 – o local continuava em atividade, razão pela qual a FEPAM manifestou-se, mais uma vez, pelo encerramento da operação de depósito de resíduos sólidos naquela área (fl. 238).

Ouvido na Promotoria de Justiça, o réu comprometeu-se a entregar – até o dia 06/11/2006 – laudo técnico de vida útil do aterro das camélias (fls. 243/244). Aportando, então, o laudo técnico firmado pelo geólogo Luiz Carlos Evangelista (fls. 247/254), indicando a vida útil de 744 dias, caso fosse instalada uma central de triagem e aberta nova célula positiva.

Porém, considerando que nenhuma providência efetiva foi tomada por parte do réu e do Município de Tapes para melhorar a situação do aterro das camélias, foi decretada sua interdição, por parte do Ministério Público – em 23/05/2007 – (fls. 333/337), do qual foi notificado o réu, no mesmo dia (fl. 338).

Em face da decisão de interdição, o réu manifestou-se pela Prefeitura Municipal (fls. 339/343) afirmando a viabilidade de permanência de funcionamento do aterro controlado das camélias, discordando da decisão exarada pelo Ministério Público Estadual e negando cumprimento.

A seguir, em 30/11/2007, sobreveio parecer da FEPAM explanando que, em decorrência da inefetividade de todas as medidas anteriormente adotadas para coagir o réu e o Município de Tapes à regularização do aterro, foi sugerida a interdição do local (fl. 487).

O Ministério Público realizou vistoria in loco, através do engenheiro químico Paulo Ricardo Santos da Silva, para verificar as condições reais de disposição de resíduos sólidos urbanos e a adequação às normas técnicas pertinente à construção e operação do aterro. 

No parecer datado de 31/01/2008 (fls. 493/503), o engenheiro químico do Parquet relatou a presença de rejeitos espalhados pela vegetação no entorno do local (no caminho de entrada), não foi constatada a presença de placa de identificação, a porteira de entrada permite livre acesso de pessoas ao terreno, foi verificada a existência de grandes quantidades de resíduos sólidos urbanos expostos a céu aberto, inexistência de indícios de impermeabilização do solo, a presença de rejeitos de saúde (frascos, remédios e ampolas) e lâmpadas fluorescentes, bem como indícios da presença de animais (fezes) e pessoas (sacos de materiais recicláveis segregados), indícios da realização de queima de rejeitos, e não foram encontrados poços de monitoramento de águas subterrâneas, nem sistema de drenagem de águas pluviais ou coleta de chorume, entre outras observações. Em conclusão, foi emitido parecer pela suspensão imediata das operações de recepção e disposição de resíduos no terreno, bem assim a apresentação de projeto de recuperação ambiental da área.

Na sequência, no ano de 2011, foi realizada nova vistoria por parte do Ministério Público, através do mesmo profissional, que em parecer datado de 05/04/2011 (fls. 897/910), observou a inexistência de placas de identificação, a presença de um catador no local – bem como indícios de que a atividade vem sendo desenvolvida no local, tendo em vista a existência de diversos “big bags” contendo resíduos selecionados da massa de rejeitos –, resíduos espalhados a céu aberto, inclusive pneus e caixas e frascos de remédios, foi observada a presença de cachorros, aves e moscas, foi descrita a existência de acúmulo de líquido escuro sobre o solo, possivelmente percolados da massa de resíduos, caracterizando a formação de chorume. 

Também foi destacado que as bacias que deveriam servir para a coleto do chorume estavam com sua estrutura totalmente danificada. Ainda, salientou a existência de açudes próximos ao local de disposição dos resíduos que constantemente são atingidos pelos chorumes e percolados originados da massa. Por fim, salientou que as condições encontradas no aterro estavam piores do que quando fora realizada a vistoria anterior, no ano de 2008 e, em conclusão, asseverou que a área utilizada não apresenta condições técnicas capazes de minimizar os impactos ao meio ambiente.

No mesmo documento, foi destacada a inexistência de licenciamento ativo para a atividade de disposição de resíduos sólidos no local, em consulta realizada naquela data, que indicou que a última licença concedida expirou em 27/06/2006.
Na instrução judicial, a prova oral coligida aos autos foi contundente e mostrou-se em consonância com os fartos elementos informativos colhidos pelo Parquet, na fase pré-judicial.

Neste sentido, a testemunha Júlio Cesar Wandam Martins, quando ouvida em juízo (fls. 1714/1718), relatou que o “lixão das camélias” já vinha sendoa companhado pela comunidade anteriormente ao ano de 2004, tendo inclusive ingressado com uma ação popular, como cidadão, visando a interdição do local. 

Afirmou que no ano de 2005 venceu a licença que o município possuía para operar no local e foi dada uma autorização para que em 30 dias o aterro fosse desativado, mas que o município não cumpriu e continuou depositando resíduos mesmo sem licença para tanto. Disse que o local oferecia risco para a saúde humana, inclusive contaminando um afluente de água que abastecia parte da população, que continuou ingerindo a água, mesmo estando esta poluída. 

Asseverou que de 2006 até 2011 o município continuou despejando lixo de forma irregular no local, sendo que as atividades somente foram suspensas com a interdição do aterro em 2011, após a decisão exarada da ação popular. Aduziu que o local era um lixão e que nunca chegou perto de ser um aterro sanitário, sendo que, no máximo, chegou perto de ser um aterro controlado que ficou descontrolado e voltou a ser lixão. 

Esclareceu que no período do mandato do réu foram abertas duas novas células, mas que duas delas foram fechadas de maneira incorreta, apenas sendo “tamponadas”, porém os resíduos que haviam dentro das células não foram tratados e que, devido a isso, o chorume transbordava e se espalhava pelo campo, sendo inclusive consumido pelo gado que havia no local. 

Relatou que tinha conhecimento de que o município dispunha de condições financeiras e técnicas para melhorar o aterro, mas que somente foi tentada a construção de um novo aterro em outro local, para atender onze municípios, que nunca saiu do papel. Asseverou que em meados de 2008 o município construiu uma central de triagem, que deveria ter sido construída no local do aterro, mas foi construída na zona sul da cidade e que, a partir dessa data, os catadores que estavam atuando até 2008 diretamente no aterro, em condições insalubres, passaram a trabalhar na central de triagem. 

Esclareceu também, que a instalação da central de triagem promoveu apenas uma melhora econômica para os catadores, mas do ambiente natural onde estava o lixão não.

A testemunha Cláudio Roberto de Lima Barbosa, quando ouvido em juízo (fls. 1718/1720), afirmou ter exercido o cargo de secretário do meio ambiente na gestão do réu como prefeito municipal. Aduziu que quando tentaram fechar o aterro foi dada uma autorização judicial para a continuidade do funcionamento, tendo em vista a inviabilidade econômica de mandar o lixo “para fora”, pois o custo era muito alto. 

Asseverou que não saber dizer se o local era um lixão, aterro sanitário ou aterro controlado. Relatou que em determinado período foram iniciadas as tratativas para construir um novo aterro, em local diverso, mas que não sabe dizer o motivo pelo qual não foi efetivada a obra. Afirmou que, na sua opinião, o aterro melhorou durante o mandato do réu, pois o lixo era coberto com saibro e não ficava mais a céu aberto. 

Disse que o lixo era mandado para o local porque era muito caro mandar “para fora” e que era necessário descartar o lixo da cidade em algum lugar, mas que não havia a intenção de poluir. Afirmou que por diversas vezes viu pessoas catando lixo no aterro, inclusive crianças, mas que não podia fazer nada, era a praxe do local.

Já a testemunha Paulo Ricardo Santos da Silva, engenheiro químico do quadro do Ministério Público, quando ouvido em juízo (fls. 1738/1740), disse ter elaborado dois pareceres, decorrentes de vistorias, realizadas no aterro das camélias, a pedido do Ministério Público. Afirmou que nas duas ocasiões constatou que o local era inadequado, com resíduos expostos a céu aberto e com indícios e presença de animais e catadores no local. Aduziu que em 2008 e em 2011 a situação era a mesma, mas que tem conhecimento da existência de pareceres da FEPAM anteriores a essa época, atestando a mesma situação. 

Esclareceu que a situação encontrada em 2011 era ainda pior do que a que foi constatada em 2008, pois o volume de resíduos era maior e nessa última vistoria foram encontrados animais e pessoas no local. Afirmou ter conhecimento da existência de pareceres da FEPAM sugerindo a suspensão das atividades e a interdição do local. Reiterou que o aterro não estava operando de acordo com as normas técnicas e, ainda, que haviam bacias de coleta de chorume em más condições e que em face da disposição dos resíduos, era possibilitado que o vento levasse resíduos para fora do local. Salientou que em uma das oportunidades foram constatadas poças de líquido de chorume acumuladas no local e que não foram localizados sistemas de piezômetro, o que inviabilizava a avaliação das condições das águas subterrâneas, apesar das condições do aterro propiciarem uma contaminação. 

Disse, ainda, que verificou a presença de lâmpadas fluorescentes e seringas médicas descartadas no local de forma inapropriada, mas que não sabe afirmar com certeza se era provenientes de lixo hospitalar ou doméstico. Afirmou que a licença da FEPAM era para um aterro controlado, mas que as condições do local eram de um lixão. Disse que não verificou a existência de células cobertas, apenas lixo a céu aberto no local e que o acesso ao local, em 2008, era livre e não havia placa de identificação e, em 2011, era cercado e possuía placa de identificação. 

Relatou que a área onde se localizava o aterro era um butiazal e o que originou a preocupação da população local foi o fato de que os butiazais estavam sendo prejudicados. Afirmou que a conduta do réu proporcionou a poluição da área, no sentido técnico.

Vera Thielo, ex-secretária do meio ambiente, dispensada do compromisso, quando ouvida em juízo (fls. 1754/1757), asseverou ter sido secretária do meio ambiente de janeiro a junho do ano de 2006. Afirmou que o lixo da cidade era depositado no aterro das camélias, que era um aterro controlado, possuía responsável técnico e seguia as normas  técnicas. 

Disse que no período em que atuou como secretária o lixo ainda era depositado no aterro das camélias e que teve conhecimento de que depois o local fora fechado porque havia chegado à exaustão, sendo que atualmente o lixo do município é levado para Minas do Leão. Esclareceu que durante sua atuação, visitou o local do aterro várias vezes e constatou a presença de pessoas recolhendo lixo depositado no local. 

A testemunha Sérgio Rhode, quando ouvida em juízo (fl.1757), nada soube informar sobre os fatos descritos na denúncia.

A testemunha Ignácio José de Araújo Mahfuz, quando ouvido em juízo (fls. 1757/1759), disse que é engenheiro agrônomo e trabalhou por seis anos na Fundação Nacional de Saúde, na área de resíduos urbanos. Asseverou ter estado presencialmente no local do aterro e verificado que a situação era caótica, não possuía cerca, nem contenção e era uma área arrendada.

Por fim, a testemunha Luiz Carlos da Rosa Evangelista, ex-responsável técnico do aterro das camélias, quando ouvido em juízo (fls. 1769 e 1771), disse que esse aterro sanitário existia há mais de 20 anos, já impactada pela colocação de lixo anterior. Asseverou que o dano ambiental no local existia e continuou existindo, como existe até hoje. 

Esclareceu que a comunidade produz lixo e que esse lixo precisava ser colocado em algum lugar e que inevitavelmente essa conduta vai gerar um dano, mas que o custo-benefício em favor de toda sociedade compensa o dano. Disse que a técnica adotada em todos os aterros sanitários, de todas as cidades, são padronizadas, de domínio público. Asseverou que se por dois dias não for providenciada a cobertura dos resíduos já começa a aparecer bichos, causar mal cheiro entre outras, assim como quando chove muito, sendo assim, é preciso que o município tenha muita disponibilidade econômica para manter e que os municípios não tem, ou não priorizam esse setor. 

Esclareceu que no aterro controlado basta cobrir os resíduos e cercar a área, para fazer o controle dos vetores, já no aterro sanitário precisa ter geomembrana de base, impermeabilização, dreno de gases, dreno de chorume, lagoas de estabilização, cercamento, portaria, balança, entre outras coisas, pois é uma infraestrutura completamente diferente. Aduziu que a licença dada ao aterro de Tapes, licenciado pela FEPAM, era de aterro controlado. 

Asseverou ter conhecimento do termo de ajustamento de conduta firmado com o Ministério Público, e que era um acordo bem fácil de ser executado pelo município. Aduziu que quando assumiu a responsabilidade técnica do aterro das camélias, ele era um lixão e que, posteriormente, foi transformado em aterro controlado. Esclareceu que durante sua atuação defendia a não criação de outro local para depósito dos resíduos, pois já havia uma área impactada e, então, essa área deveria ser melhorada e que deveria continuar o depósito de resíduos no local. Afirmou que há, no mínimo, seis anos a FEPAM não licencia mais aterros controlados.

O réu é revel (fl. 1809) e, por este motivo, não foi interrogado em juízo.

Primeiramente, cumpre destacar a regência da Lei nº 12.305/2010 – que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – e assim dispõe em seu art. 1º, §1º:

Estão sujeitas à observância desta Lei as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos.

Ainda, sobre a imposição aos entes de cada esfera do Poder Público, de elaboração de planos de resíduos sólidos, o art. 36, inciso da referida Lei prevê que: 

“No âmbito da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, cabe ao titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, observado, se houver, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos: VI - dar disposição final ambientalmente adequada aos resíduos e rejeitos oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos.” 

Por fim, os arts. 47 e 48 dispõem sobre as formas vedadas de disposição final de resíduos sólidos e as atividades proibidas nessas áreas:

Art. 47. São proibidas as seguintes formas de destinação ou disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos:

I - lançamento em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos;
II – lançamento in natura a céu aberto, excetuados os resíduos de mineração;
III - queima a céu aberto ou em recipientes, instalações e equipamentos não licenciados para essa finalidade;
IV - outras formas vedadas pelo poder público.
Art. 48. São proibidas, nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos, as seguintes atividades:
I - utilização dos rejeitos dispostos como alimentação;
II - catação, observado o disposto no inciso V do art. 17;
III - criação de animais domésticos;
IV - fixação de habitações temporárias ou permanentes;
V - outras atividades vedadas pelo poder público.
(Grifo nosso)

Neste sentido, têm-se a previsão típica constante do art. 54, da Lei nº 9.605/98, que considera crime a conduta de causar poluição em níveis que possam resultar em danos à saúde pública ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, trazendo, ainda, a modalidade qualificada da conduta quando esta se der através do lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, entre outros, em desacordo com as exigências estabelecidas em lei ou regulamento (inciso V).

O art. 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981 conceitua poluidor como sendo “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável diretamente ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.

Ainda, na explanação de Frederico Amado “a poluição poderá ser lícita ou ilícita (…) amparada por regular licenciamento ambiental será lícita, pois realizada dentro dos padrões de tolerância da legislação ambiental e com base em licença, o que exclui qualquer responsabilidade administrativa ou criminal do poluidor”. Com isso, têm-se que a conduta do réu caracterizou poluição ilícita, visto que efetuada, inicialmente, em descumprimento à licença de operação concedida pela FEPAM e, posteriormente, sem o devido licenciamento para a atividade realizada, como será minuciosamente neste decisum.

A responsabilidade do réu, como pessoa física e gestor público, não só na qualidade de Prefeito Municipal, como também de cidadão, evidencia-se pela incidência do art. 1º, §1º e do art. 36, ambos da Lei nº 12.305/2010.

Nesta esteira, como se depreende da análise do conjunto probatório formado nos autos, restou suficientemente comprovada a autoria e a materialidade do delito ora imputado ao réu, nos termos em que descrito na inicial acusatória.

Cabe destacar, que não merece guarida a alegação defensiva de que a poluição no aterro das camélias e toda a degradação ambiental constatada ao longo dos mais de seis anos de investigação e acompanhamento extrajudicial pelo Ministério Público, já estava sedimentada em decorrência da má administração municipal das gestões anteriores.

Como se afere da disposição do art. 2º, §2º da Lei nº12.651/2012, as obrigações ambientais possuem natureza real – propter rem – e transmitem-se ao sucessor de qualquer natureza, de modo que, ao assumir a gestão do Município, o réu recebeu a responsabilidade de recuperação do dano ambiental, mesmo que já existente e “sedimentado” como alega o réu em sede de defesa.

A par disto, além de não recuperar a área degradada, o réu deu continuidade à poluição no local através da disposição inadequada de resíduos sólidos e ausência de qualquer medida de tratamento ou de minimização dos danos através de qualquer método eficaz.
Ademais, como se denota do posicionamento adotado pelo STJ, extraído de trecho do REsp 650.728, de 23.10.2007: “para o fim de apuração do nexo de causalidade do dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”.

Deste modo, tendo em vista que o réu era prefeito municipal, portanto responsável pela gestão ambiental no âmbito de seu município e, com sua conduta de dar continuidade e permanecer operando na disposição inadequada de resíduos sólidos, agravando a degradação ambiental já existente e causando novos danos, pode-se dizer que não só fez (considerando a conduta comissiva de disposição inadequada do lixo), como não fez o que deveria fazer (em face da ausência de reparação, minimização ou até mesmo compensação do dano ambiental) e deixou que fizessem (ao omitir-se no gerenciamento adequado e eficaz do plano de resíduos sólidos municipal determinado por lei, especialmente no tocante à coleta e destinação final ambientalmente adequada do lixo doméstico).

Assim, têm-se que a materialidade restou devidamente comprovada nos autos, não só pelas diversas vistorias realizadas in loco e pareceres da FEPAM e do Ministério Público, como também, pelo relato coerente e uníssono das testemunhas e informantes ouvidos na instrução judicial.

Salienta-se, que os laudos técnicos das vistorias realizadas pelo engenheiro químico integrante dos quadros do Ministério Público – portanto servidor público – nos anos de 2008 e 2011 apontou, dentre outras, as seguintes irregularidades:

- presença de rejeitos espalhados pela vegetação no entorno do local (no caminho de entrada);
- ausência de placa de identificação do local;
- entrada com livre acesso de pessoas e animais;
- existência de grandes quantidades de resíduos sólidos urbanos expostos a céu aberto;
- inexistência de indícios de impermeabilização do solo;
- presença de rejeitos de saúde (frascos, remédios e ampolas) e lâmpadas fluorescentes;
- em 2008, a  existência de indícios da presença de animais (fezes) e pessoas (sacos de materiais recicláveis segregados);
- em 2011, a presença de catador no local e a existência de diversos “big bags” contendo resíduos selecionados da massa de rejeitos e presença de cachorros, aves e moscas;
- indícios da realização de queima de rejeitos;
- inexistência de poços de monitoramento de águas subterrâneas;
- inexistência de drenagem de águas pluviais ou coleta de chorume;
- a existência de acúmulo de líquido escuro sobre o solo, possivelmente percolados da massa de resíduos, caracterizando a formação de chorume;
- as bacias que deveriam servir para a coleto do chorume estavam com sua estrutura totalmente danificada;
- açudes próximos ao local de disposição dos resíduos que constantemente são atingidos pelos chorumes e percolados originados da massa;
- em 2011, constatou-se que as condições encontradas no aterro estavam piores do que quando fora realizada a vistoria anterior, no ano de 2008;
- em ambas as vistorias, a conclusão foi de que o aterro não possui condições técnicas e de viabilidade ambiental para dar continuidade ao recebimento de resíduos sólidos e o parecer foi pela suspensão das atividades e interdição do local.
Sobre o conceito de poluição, o art. 3º, inciso III, da Lei nº 6.938/81 dispõe que entende-se por:
“Poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;”

Tomando por base o conceito legal de poluição, vislumbra-se claramente que a conduta do réu pode ser enquadrada como poluidora, já que além de lançar matérias em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos, sua conduta afetou de forma evidente, as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente, segundo se verifica da análise dos fartos pareceres e laudos técnicos ambientais realizados no aterro das camélias.

Cumpre esclarecer, ainda, a diferença técnica conceitual existente entre lixão, aterro controlado e aterro sanitário – conceituados pelo geólogo e engenheiro ambiental Luiz Carlos Evangelista em seu depoimento em juízo (fls. 1769 e 1771), bem como pelo engenheiro químico Paulo Ricardo Santos da Silva no laudo de fls. 611/617, necessário ao bom compreendimento da situação fática que ora se apresenta.

O lixão consiste na simples descarga do material sobre o solo, sem a adoção de medidas de proteção ambiental, visto que os resíduos são dispostos a céu aberto e normalmente se constata a presença de pessoas (catadores) e animais no local. Não há delimitação regular da área e em muitos casos não há sequer placa de identificação.

O aterro controlado consiste na técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos com a utilização de princípios de engenharia para confinar os resíduos, cobrindo-os com uma camada de material inerte. Inexiste impermeabilização do solo e tratamento dos líquidos percolados. Não há sistema de tratamento dos gases emitidos. Há cercamento e identificação da área.

Já o aterro sanitário consiste no processo de disposição de resíduos sólidos urbanos com critérios de engenharia e normas operacionais específicas que permitem o confinamento seguro do material, oferece controle da poluição e proteção à saúde pública. Existe impermeabilização do solo, dreno de chorume e de gases e a utilização de piezômetro para controle de possível contaminação de águas subterrâneas. O local é devidamente cercado para impedir a entrada de pessoas e animais e identificado quanto a periculosidade de contaminação.

Segundo se nota da Licença de Operação concedida pela FEPAM para o funcionamento do local conhecido como “aterro das camélias”, o empreendimento foi licenciado para atuação como aterro controlado e esta foi a última licença concedida pela FEPAM para o funcionamento da área, com prazo de validade até 16/06/2006 (fls. 17/18).

No entanto, como se depreende dos pareceres de vistorias e laudos técnicos emitidos em avaliação in loco – detalhados acima – em conformidade com as características técnicas de cada tipo de local existente para o recebimento de resíduos sólidos, não obstante houvesse licença de operação na modalidade de aterro controlado, o local, na verdade, enquadrava-se no conceito de lixão, em patente descumprimento da regulamentação existente.

A manutenção de lixão para destinação dos resíduos sólidos urbanos, não apenas desrespeita os termos da licença ambiental concedida pelo órgão competente, como também incide na vedação legal do art. 47, inciso II, da Lei nº 12.305/2010 e de toda a política nacional de resíduos sólidos, que fundamenta-se – como expressamente previsto na lei instituidora – na extinção do método de destinação conhecido como lixão, em face das nefastas consequências ambientais que o referido método causa, muitas vezes irreversíveis. 

Ainda, é de se esclarecer, que mesmo o método de disposição consistente em aterro controlado não é capaz de evitar dano ambiental considerável, justamente em face da ausência de medidas de tratamento, controle  e prevenção da poluição e contaminação causada pela disposição, também inadequada, dos resíduos sólidos ali dispostos, motivo pelo qual a FEPAM não procede mais no licenciamento deste tipo de aterro, sendo que com o advento da Lei nº 12.305/2010, passou a ser permitido somente o licenciamento na  modalidade aterro sanitário. 

Além disso, os pareceres exarados pela FEPAM – órgão responsável pelo licenciamento ambiental – foram no sentido da suspensão das atividades e interdição do aterro das camélias, em face do descumprimento da licença de operação emitida em 2006 e, posteriormente, em decorrência da inexistência de licença de operação para a atividade, bem como pelo dano ambiental já causado e a contínua degradação ambiental decorrente da continuidade irregular do depósito inadequado de resíduos sólidos no local.

Cabe mencionar, nesta esteira, o relato do próprio responsável técnico pelo aterro das camélias, contratado pelo réu para gerenciar a atividade do local, que afirma a existência de dano ambiental, destacando que o “custo-benefício” da disposição inadequada de resíduos sólidos naquela área compensava a degradação causada pela própria atividade. Ainda, relatou que a manutenção de um aterro controlado exige um alto dispêndio econômico-financeiro e que os municípios não se preparam para arcar com o custo necessário ou simplesmente optam por não direcionar verbas públicas para esse setor. 

Por fim, afirmou que os termos do TAC firmado pelo réu com o MP era razoáveis e de fácil cumprimento.

Em consonância com o depoimento prestado por Luiz Carlos Evangelista, a ex-secretária do meio ambiente Vera Thielo – com atuação no ano de 2006, da gestão do réu – afirmou ter visitado a área em diversas oportunidades e que já presenciou pessoas catando lixo no local, inclusive crianças, mas que nada podia ser feito, até por que era a “praxe” do local.

Com isso, têm-se evidente o descaso do réu na gestão municipal, em especial no tocante ao cumprimento dos planos de disposição adequada de resíduos sólidos, pelo que incidia publicamente nas vedações legais e, como se denota do vasto conjunto de elementos informativos constantes dos autos e decorrentes da atuação extrajudicial do Parquet, ao logo de todo acompanhamento realizado – mais de seis anos – o réu não apresentou nenhuma medida concreta com a finalidade de melhorar, tratar, recuperar a área ou minimizar os danos que vinha causando.

De mesma sorte, não há como se entender culposa a conduta do réu, pois inviável seu enquadramento em quaisquer dos conceitos formadores de culpa estrito senso, seja na modalidade negligência, imprudência ou imperícia. Pois o réu tinha pleno conhecimento das condições em que se encontrava o aterro das camélias, especialmente considerando a elaboração de TAC com o Ministério Público, ainda no ano de 2006 (fls. 102/107) em que reconheceu a inviabilidade de continuidade do uso do local, comprometendo-se a desativá-lo em 17/06/2006.

Descumprido o termo de ajustamento de conduta firmado com o MP, bem como considerando o parecer emitido pela FEPAM (fl.128) sugerindo a desativação do local, veio a determinação da Promotoria de Justiça para interdição do aterro das camélias o que, entretanto, o réu negou-se a cumprir, como se nota da manifestação de fls. 339/343 e, desse modo, também se comprova que o réu tinha ciência da necessidade de suspensão das atividades no local em face do nível de poluição alcançada e pela inobservância das normas técnicas necessárias para minimizar o impacto e, mesmo assim, preferiu dar continuidade ao ilícito.

Com isso, têm-se que a conduta do réu foi dolosa, persistiu por mais de seis anos, iniciando-se no ano de 2005 – quando assumiu a gestão municipal como Prefeito da cidade de Tapes – e evidenciada a intenção de permanência com o ato de disposição inadequada de resíduos sólidos no aterro das camélias, agravando a poluição já existente e omitindo-se em reparar ou minimizar o dano causado pelo período correspondente aos dois mandatos que exerceu, atuando, ainda, na ausência do devido licenciamento ambiental exigido por lei.

O contexto probatório apresentado nos autos é mais do que suficiente para evidenciar a conduta dolosa do réu e sua consequência, qual seja, a poluição, degradação e o agravamento do dano ambiental já existente no aterro administrado pela Prefeitura de Tapes, como já explanado, atuando de forma comissiva e omissiva em descumprimento à lei e às normas administrativas regulamentares. 

Assentada a tipicidade do art. 54, caput, §2º, inciso V, da Lei nº 9.605/98, comprovada a materialidade, bem como a autoria da conduta, e ausentes quaisquer excludentes de tipicidade ou ilicitude, de rigor o decreto condenatório.

Reconheço ainda, a incidência da agravante prevista no art. 15, inciso II, alínea “o”, da Lei nº 9.605/98, pois o réu praticou o fato mediante o abuso de licença ambiental concedida para o exercício da atividade de disposição de resíduos sólidos na área e, posteriormente, na clandestinidade da regulamentação legal, já que prosseguiu com a atividade mesmo na ausência da licença competente. 

Passo à dosimetria da pena. 

Forte nos arts. 68 e 59 do CP passo à análise das circunstâncias judiciais.

a) A culpabilidade – aqui entendida como o grau de intensidade da reprovação penal, que se traduz no maior ou menor grau de consciência da ilicitude e no maior ou menor grau de exigibilidade de conduta diversa – merece reprovação especial. O réu tinha ciência do nível de degradação ambiental já causado no local, motivo pelo qual reconheceu o dano preexistente e firmou termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público comprometendo-se a cessar a disposição de resíduos sólidos no aterro e recuperar a área já danificada. No entanto, não só descumpriu os termos do acordo ajustado com o Parquet, como prosseguiu na poluição do ambiente, agravando o dano preexistente e demonstrando que a ausência de qualquer comprometido e responsabilidade ambiental. Em face disso, evidencia-se culpabilidade acentuada e transcendente da normalidade da simples prática de um ato ilícito comum.

b) O réu é primário, conforme atesta a certidão das fls. 1811/1812.

c) A conduta social, diz respeito ao comportamento do sentenciado em relação à comunidade em que vive. José Eulálio de Almeida leciona que o juiz deve colher da prova produzida nos autos: "...a vocação do acusado para o trabalho ou para a ociosidade; a afetividade do mesmo para com os membros que integram a sua família, ou o desprezo e indiferença que nutre por seus parentes; o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante as pessoas do seu bairro ou da sua cidade, bem como o índice de rejeição de que desfruta entre os que o conhecem socialmente; o seu entretenimento predileto (…) ou se prefere a companhia constante de pessoas de comportamento suspeito e frequenta, com habitualidade, locais de concentração de delinquentes, casas de tolerância, lupanares ou congêneres; o seu grau de escolaridade, tal como a assiduidade e a abnegação pelo estudo ou o desinteresse pelo mesmo, assim como o respeito e o relacionamento com funcionários, professores e diretores do estabelecimento escolar." Ainda, pode ser avaliada como os três fatores que fazem parte da vida do cidadão – família, trabalho e religião. Para isso, imperiosa a análise da vida passada do sentenciado, não obstante a conduta social propriamente dita não se resumir ao  exame dos seus antecedentes. No presente caso, conforme se extrai dos elementos coligidos aos autos, a conduta social do réu não merece valoração especial. 

d) Quanto à personalidade do agente – elemento estável de sua conduta, formada por fatores endógenos e exógenos – não há informações seguras nos autos, que possibilitem avaliação precisa.

e) Os motivos – que consistem na fonte propulsora da vontade do agente – não restaram suficientemente evidenciados nos autos e não merecem especial valoração.

f) As circunstâncias – compostas pelas singularidades do fato delitivo merecem reprovação diferenciada. O réu assumiu a gestão municipal de Tapes ainda no ano de 2005 e ao longo de dois mandatos como prefeito municipal operou inadequadamente a disposição de lixo doméstico da cidade, conduta que se estendeu, então, por oito anos. Ao longo desse período foram tomadas diversas medidas fiscalizatórias e coercitivas por parte do Ministério Público e da FEPAM, todas ignoradas pelo réu, que continuava no descumprimento das orientações e requisições, cada vez mais agravando o dano ambiental já existente e o que vinha causando com sua conduta criminosa. Além das orientações emitidas pelos órgãos públicos referidos, foi descumprido um termo de ajustamento de conduta, uma licença de operação com vencimento em junho de 2006 e uma determinação de interdição do local exarada pelo MP. 

Além disso, o réu operou aterro de disposição de resíduos sólidos por aproximadamente seis anos sem o devido licenciamento ambiental. Assim, é nítido que as circunstâncias ora apresentadas excedem a normalidade aceitável para a conduta prevista no art. 54, §2º, inciso V, da Lei nº 9.605/98.

g) As consequências – avaliadas como o grau da lesão ao bem jurídico violado – merecem valoração especial, como se depreende de todo contexto probatório, principalmente dos pareceres, laudos técnicos e vistorias realizadas no local, as consequências foram graves. Ao longo de seis anos – além do período anterior, de dano já consolidado – o aterro das camélias sofreu degradação e poluição em níveis elevados, o que causou um impacto ambiental que, inclusive, não foi amenizado, tratado, controlado ou recuperado. Com isso, além de danificar o meio ambiente de forma contínua, por mais de seis anos, através da disposição irregular, ilegal e inadequada de resíduos sólidos, o réu não adorou nenhuma medida a fim de minimizar o dano que vinha causando, recuperar o dano já causado ou, pelo menos, promover a compensação ambiental de alguma forma, o que agravou as possíveis consequências esperadas para esse tipo penal, de modo que deve ser especialmente valorada essa circunstância penal.

h) Não há comportamento de vítima para ser analisado quanto a este fato.

Assim, considerando a existência de três vetoriais preponderantes negativas, fixo a pena-base em 02 anos de reclusão.

Em face da incidência da agravante prevista no art. 15, inciso II, alínea “o”, da Lei 9.605/98, fixo a pena intermediária em 02 anos e 06 meses de reclusão.

À míngua de incidência de outras atenuantes/agravantes ou majorantes/minorantes, torno definitiva a pena em 02 anos e 06 meses de reclusão.

O regime de cumprimento da pena é o aberto, forte no art. 33, §2º, “c”, do CP.

Presentes as condições legais e em análise às circunstâncias judiciais não vislumbra causa impeditiva, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, forte no art. 7º da Lei nº 9.605/98.

O réu deverá prestar serviço à comunidade, nos termos do art. 8º, inciso I e art. 9º, ambos da Lei nº 9.605/98, pelo período da condenação, junto a parques ou jardins públicos ou em entidade pública que preste serviços ambientais, preferencialmente na promoção de reparação e restauração ambiental, cujas especificações ficaram a cargo do juízo da execução.

Estabeleço prestação pecuniária a ser paga pelo réu em benefício de entidade pública ou privada com fim social e preferencialmente atuante na área ambiental, a ser designada pelo juízo da execução, a qual fixo em 60 salários mínimos no valor vigente à data da cessação da prática do fato – por tratar-se de crime permanente – atualizados monetariamente pelo IGPM.

III – DISPOSITIVO

Isto posto, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida na denúncia para CONDENAR o réu SYLVIO TEJADA XAVIER como incurso no art. 54, §2º, inciso V, da Lei nº 9.605/98, à pena privativa de liberdade de 02 anos e 06 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto.

Presentes as condições legais e em análise às circunstâncias judiciais não vislumbra causa impeditiva, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, forte no art. 7º da Lei nº 9.605/98.

O réu deverá prestar serviço à comunidade, nos termos do art. 8º, inciso I e art. 9º, ambos da Lei nº 9.605/98, pelo período da condenação, junto a parques ou jardins públicos ou em entidade pública que preste serviços ambientais, preferencialmente na promoção de reparação e restauração ambiental, cujas especificações ficaram a cargo do juízo da execução.

Estabeleço prestação pecuniária a ser paga pelo réu em benefício de entidade pública ou privada com fim social e preferencialmente atuante na área ambiental, a ser designada pelo juízo da execução, a qual fixo em 60 salários mínimos no valor vigente à data da cessação da prática do fato – por tratar-se de crime permanente – atualizados monetariamente pelo IGPM.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais.

Disposições Finais.

Com o trânsito em julgado:

1) expeça-se o BIE;
2) lance-se o nome do réu no rol dos culpados;
3) oficie-se ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral, para os fins do art. 15, III, CF/88;
4) forme-se e remeta-se o PEC definitivo.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.


Tapes, 13 de março de 2018.

Daniel de Souza Fleury
Juiz de Direito

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